quarta-feira, 30 de junho de 2010

A ciência da prateleira: por que você sempre enche o carrinho

Com cheiro de pão fresquinho no ar, a moça bonita oferece um café para experimentar. Ao som de música pop dos anos 1980 e 1990, se abre um mundo de cores e formas instigantes. Os cinco sentidos são os meios usados pelos supermercados para fisgar o cliente e proporcionar uma boa experiência de compra.

Como resultado, saem alguns gastos não previstos inicialmente, aquela comprinha por impulso. Desde as mais óbvias, como os itens pequenos na boca do caixa, até as mais sutis, como a trilha sonora ambiente, as táticas são estudadas e criadas por especialistas em marketing. As lojas servem até como sala de aula para estudantes da área.

Não é à toa que, ao entrar num supermercado, você acaba percorrendo quase todo o ambiente, mesmo que só vá comprar pães e frutas. A disposição dos corredores mistura itens muito vendidos com outros nem tanto, o que incentiva o comprador a levar supérfluos atraentes. Quanto mais o cliente caminhar nos corredores, mais impacto os sentidos recebem e mais produtos entram no carrinho. Assim como nos shoppings, não é coincidência o fato de as lojas não terem janelas nem relógios. A ideia é fazer o cliente perder a noção da hora, para que fique mais tempo e leve mais itens. E são muitos. Nas 10 unidades da rede Giassi, por exemplo, a segunda maior de Santa Catarina, são oferecidos 25 mil itens.

Cada empresa tem suas regras, mas dentro de uma loja, nada é por acaso, seja no mercado da esquina ou no hipermercado. É consenso entre os especialistas que a maioria das compras é feita por impulso. Para evitar o consumo exagerado, a dica é não ser enganado pelo estômago. Faça compras sem fome e leve uma lista com a relação dos produtos que precisa. E, se possível, vá sem as crianças. Mas essas três condições são difíceis de ser preenchidas, uma vez que as pessoas costumam passar no mercado ao final do expediente.

Para se precaver, conheça aqui táticas reveladas ao Diário Catarinense por profissionais do marketing e do varejo e descubra segredos da “ciência da prateleira”.


Vizinhança
O local onde a loja está interfere no faturamento e no sucesso. A grande maioria dos consumidores está a 10 minutos, seja a pé ou de carro, da área do entorno do supermercado. É por isso que lojas pequenas têm faturamento alto, porque atendem bem a área em que estão.
A tendência é de segmentação, ambientes menores que oferecem melhor atendimento, onde o cliente é chamado pelo nome. É o mercado da esquina que concentra as compras do dia a dia. O rancho fica para lojas maiores. Grandes redes trabalham com poucas marcas porque são os fabricantes que negociam os melhores espaços das prateleiras. Já os pequenos supermercados podem oferecer outras marcas, às vezes até mais acessíveis.

Atrativos extras
Os anúncios de TV e os panfletos são os meios de divulgação que mais dão retorno. Organizar dias da semana com promoções estratégicas de produtos perecíveis, como a carne e os hortifruti, geram volume de compras maior. Os aposentados são os mais fisgados por esse tipo de oferta.
O consumidor é atraído emocionalmente por descontos de 20% ou 30%. Especialistas afirmam que, apesar da moeda estável, o brasileiro ainda tem uma cultura inflacionária. E alertam que os descontos podem esconder alta de preços de outros produtos ou até dos mesmos itens, mas em outros dias da semana. Outra tática é oferecer atividades extras, como exposições artísticas, eventos musicais ou outra ação que acrescente valor à experiência da compra.

Área de entrada

É chamada de área de descompressão, ou de transição, onde a pessoa deixa seu universo (a rua) para imergir em outro (a loja). É uma zona delicada, e deve-se tomar o cuidado para não preencher essa área com mensagens que podem não ter o efeito desejado, uma vez que a percepção do consumidor ainda não está aguçada.

O corredor de entrada é uma das partes mais valorizadas da loja. É onde ficam os produtos em promoção, para vender em grande quantidade. O fluxo de vendas determina a troca das mercadorias desse corredor. Muitas lojas colocam ali os produtos de limpeza e de higiene pessoal, os que dão maior margem de lucro aos supermercados.

Na boca do caixa, uma variedade de produtos como lâminas de barbear, chicletes, balas, chocolates, revistas e pilhas, itens pequenos, que cabem mesmo num carrinho lotado, chamam a atenção do cliente. Eles acabam sendo levados por impulso, pouco antes da saída.

Corredores
O congestionamento de carrinhos é intencional. Mais de dois num mesmo corredor diminuem a velocidade do cliente e aumentam o número de produtos comprados. Produtos mais procurados ficam em pontos estratégicos para que o cliente tenha de passar por locais onde não precisaria pegar nada, com intenção de estimular ou lembrar da necessidade daquilo. É por isso que artigos perecíveis, como pães, carnes e frios geralmente ficam ao fundo e os hortifruti nas laterais, para fazer com a pessoa circule por toda a loja.

Produtos com cheiros fortes, como ração e os de limpeza, costumam ficar encostados na parede, para não interferir nos outros aromas. As rádios internas têm programação adequada ao perfil do consumidor que se quer atingir. Há lojas com música sertaneja, outras com bossa nova, outras com hits pop. As faixas mais lentas estimulam a permanência por mais tempo. As mais agitadas favorecem a rápida circulação.

Prateleiras
Em torno de 90% dos produtos contam com a embalagem para a venda. A região mais concorrida nas gôndolas fica à altura dos olhos, entre 1,3m e 1,7m de altura. Os fabricantes pagam preços diferenciados ou fazem acordos com as lojas para usar os melhores espaços. Cabe às marcas fazer o produto girar na loja e cabe ao mercado escolher fabricantes com maior procura. As extremidades das gôndolas são os 40 centímetros das pontas. No centro é onde ficam os itens mais vendidos. Estudos dizem que dificilmente o consumidor para no começo da prateleira, e tende a caminhar para o meio.

Os produtos seguem uma lógica: na vertical, mercadorias iguais em tamanhos ou porções variados. Na horizontal, ficam as marcas concorrentes. Também é comum ver agrupamentos de produtos associados, como macarrão, molhos e queijo ralado. É o chamado cross marketing. Serve para lembrar ou sugerir formas de consumo ao cliente. Produtos para crianças ficam à altura das mãos e dos olhos delas. Há lojas que oferecem um carrinho para facilitar o alcance dos pequenos e estimular a negociação da compra com os pais.

Fidelização
Programas de fidelidade, que oferecem pontos por compra feita, são valiosos para as lojas na identificação do perfil do consumidor. Na hora de pagar a conta, ao apresentar o cartão da loja, a compra é associada ao cadastro do cliente, que permite relacionar hábitos de consumo. Saber quem compra o que permite ao supermercado oferecer opções de produtos a consumidores com históricos parecidos. Para se ter uma ideia, o cartão de relacionamento Clube Angeloni, da maior rede supermercadista do Estado, tem 800 mil clientes cadastrados, o equivalente a cerca de 15% da população catarinense.

Há uma outra estratégia, mais moderna, ainda em fase de execução. É etiquetar todos os produtos para que se possa rastrear o consumidor dentro da loja e oferecer promoções nas próprias prateleiras. À medida que se coloca o produto no carrinho, a loja sabe o que tem ali dentro. Não precisa mais passar o cartão na hora de pagar. Esse sistema está em desenvolvimento, mas na Alemanha já funciona na rede Metro.

Atendimento
Nos supermercados, é mais comum o autoatendimento, ou seja, os próprios consumidores pegam seus produtos. Mas os vendedores são fundamentais no varejo. Para tanto, é importante ter boa capacitação para apresentar bons argumentos de compra ao cliente. Quando o vendedor conhece o produto, acrescenta informação e agrega valor.

O cliente bem informado percebe a vantagem de determinado item e acaba pagando um preço mais elevado, porque está consciente das vantagens oferecidas. Além do bom atendimento, são estratégicas outras atividades, como eventos musicais, exposições de arte ou ações que estimulem a percepção, mesmo que não seja com produtos à venda. É uma forma complementar de estabelecer a confiança do consumidor com a empresa onde ele está consumindo. Quando se estabelece uma relação de fidelidade com uma marca, é preciso preservá-la, porque uma vez rompido esse laço, dificilmente será reatado.


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