quarta-feira, 20 de agosto de 2008

O HOMEM-PROJETO...

Sim, o homem-projeto, a obra aberta e o macho inacabado...
Cuidado, ele está solto por ai. É o homem-projeto, um onipresente.
Está em todos os salões, lançamentos, vernissages, guichês de isenção fiscal, concursos da Petrobrás, festas, restaurantes da moda, bares descolados, na Praça Benedito Calixto (SP), na feira de produtos orgânicos do Leblon, no Baixo Gávea, em Porto Alegre, no Recife, Dagrão do Mar em Fortaleza, Salvador... Com o aumento do contingente no exército de reserva, nem se fala, o homem-projeto começou a se multiplicar como Gremlins. Uma praga.
“Por falar nisso eu tenho um projeto...”
“Acabei de inscrever um projeto...”
“Estou preparando um projeto...”
“Estou captando para um projeto...”
“Copiaram o meu projeto...”
“Puta projeto...”
O macho e a fêmea-projeto alimentam a paranóia delirante do plágio dos seus projetos. Alguém na sombra estará sempre copiando as suas idéias. Originalíssimas, diga-se. Fazem um mistério danado dos seus projetos. Quando contam, tudo não passa de algo tão novo quanto uma missa do galo, tão inédito quanto o “no princípio era o verbo”.
Para completar, o amor próprio, esse orgulho besta, acaba também inviabilizando o prazer do plágio. O que se tem, na boa, não passa de uma angustiazinha da influência, no máximo. Sabe o que ocorre? Todo mundo quer ser dono do seu projeto e do seu próprio nariz, até mesmo aquele lesado senhor que teve a napa subtraída pela navalha do barbeiro de Gogol. Correu atrás e achou, rapé do bom.
Logo logo não restará sequer uma criatura sem projetos no Brasil. Uma nação de artistas e produtores culturais. Como no conto “Dois Augúrios”, de Villier Adan-Lisle, encontrar um sem-talento será motivo de foguetório, mercadoria rara, lance inestimável, brindes ao infinito. Atenção sem-talentos, sem-cerimônias em geral, cartas e currículos para a posta restante deste escriba ibid idem.
Logo mais não teremos encanadores, bombeiros,eletricistas, bancários, pequenos agricultores, a boa gente do comércio, excelentes amassadoras de pães-de-queijo, exímios pontas-de-lança, mulheres prendadas, profissionais do lar... Apenas escritores, cineastas, praticantes da nanoarte (ah, você está por fora, trata-se da tribo da nanotecnologia, ramo da cultura digital que beira as raias da linguagem atômica), humoristas de televisão, críticos benjaminianos, pintores, tradutores, tribalistas, transgressores...
Para completar, viramos a pátria da ginástica artística, olímpica... Era só o que faltava para a nossa ruína!.
Ah, saudades da nossa vocação agrícola, dependente apenas de algum crédito público, meteorologia de adivinho e bravos homens do campo. O novo celeiro do mundo, calorias para todos, futuro à vera, “de pé, famélicos da terra!”
Agora até os nossos bons médicos são doutores de “Caras”....
Para completar o desastre histórico, como as mulheres têm queda para os homens-projetos! Assim como o pendor eterno, a asa quebrada pelos tolos.
Isso quando elas mesmas não se antecipam e inventam os seus arrazoados de arte. Cadê a gente normal, a missa, o Fla-Flu, o Sansão, o Grenal, o Ba-Vi, o Clássico das Mutidões, o Icasa X Guarani, o almoço de domingo, o “amor só de mãe” -como me venderam no aforismo do pára-choque mais afetivo?
Chega de arte. Madeleine é bom pra memória de francês. Com bolinho de macaxeira (mandioca, aipim...), a gente só vai se lembrar de coisa ruim.

Xico Sá, do site carapuceiro.zip.net

Nenhum comentário: